O Jornal Resistência fundado em 1978 em Belém do Pará com o objetivo de fazer oposição à Ditadura Militar saiu com uma edição extra sobre futebol. Em sintonia com a paixão dos brasileiros na edição nº 1 agosto de 1979, o Resistência publicou entrevista com duas lendas do futebol paraense. De um lado Dario, o rei Dadá, ídolo da torcida do Paysandu. Na outra ponta estava Bira, craque do Remo. O Blog Artilheiras resgata para você o resumo destas entrevistas históricas.
Dario, o Rei Vagabundo
Dario José dos Santos, Rei Dadá, Dadá Maravilha, Dario Peito de aço é um jogador de muitos nomes e muitos gols. Dadá é o quinto maior artilheiro do futebol brasileiro com 926 gols marcados, sendo 26 pelo Papão, onde jogou em 1979. Confira aqui um resumo da entrevista do craque Dadá ao jornal Resistência.
“Resistência foi encontrá-lo às vésperas do Remo x Paysandu, ao fim de um treinamento na Curuzu. Dario ou Dadá fala pausado, faz considerações, brincadeiras, admirado como uma possibilidade inalcançável por alguns vendedores de picolés que ainda restam no estádio vazio. Ele mesmo na infância dura e pobre deve ter sido como um desses meninos picolezeiros. Pegou porrada dos homens e da vida.
RESISTÊNCIA- Dá o nome de 5 craques do futebol paraense.
DARIO– No Remo tem o Anderson, o Mesquita, o Bira, o Bebeto, o Luiz Augusto e o Dico, que é um goleiro extraordinário. No Papão temos o Bacuri, o Carlinhos, o Patrulheiro, o Lupercínio e o Evandro.
RESISTÊNCIA– Quanto tu ganhas no Paysandu?
DARIO– Meu salário é 55 mil.
RESISTÊNCIA– Como é que tu vês essa diferença de salário entre jogador local, prata da casa e o jogador dos grandes centros, como é o teu caso?
DARIO– Eu hoje sou o maior salário do Papão, mas há três anos atrás, eu era o menor salário do Internacional. O Figueiroa ganhava quatro vezes mais que eu. Então cada jogador tem o seu valor. Eu não poderia vir para o Papão pra ganhar menos do que ganharia no Atlético Mineiro, no América Mineiro, no Botafogo, etc. eu vim por um salário compatível com minha categoria entende?
RESISTÊNCIA– Dá para viver só de futebol?
DARIO– Dá, eu vivo só de futebol.
RESISTÊNCIA– O que te garantes no futuro?
DARIO– Eu nunca penso no futuro. Eu penso sempre no hoje bem feito. O futuro a deus pertence, entende?
RESISTÊNCIA– Tu penduras as chuteiras com quantos anos?
DARIO– Eu não tenho nenhuma vaidade de pendurar as chuteiras, porque eu nunca fui considerado um craque. O craque, por exemplo, tem que largar a bola antes que ela largue ele. Agora o Dadá nunca vai passar ridículo, eu fiz uma imagem dentro do futebol, sem ser melhor ou pior do que ninguém. Então enquanto eu tiver condicionamento físico pra jogar eu jogo.
RESISTÊNCIA– Como é o relacionamento jogador x cartola?
DARIO– É um relacionamento ainda com muita desconfiança, porque ninguém sabe quem é quem. Nós sabemos que somos alguém quando estamos por cima, , quando estamos produzindo, porque quando o cara cai de produção, ele cai na desgraça. Ninguém confia em ninguém, nem na sombra.”
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RESISTÊNCIA– Como foi a tua infância?
DARIO– Eu não tive infância, porque com cinco anos eu fui interno num colégio e com 18, eu fui para o Exército. Eu fui criado no SAM, com menores desvalidos e marginais. Eu já vi mais de 10 pessoas morrer, assim na minha frente o cara enfiando gilete. Eu não fui marginal porque Deus não quis.
RESISTÊNCIA– Mas quando moleque tu não eras considerado um craque?
DARIO– Nada, nada. Tanto que o meu nome era Dário. Fiquei como Dário até os vinte anos. Quando eu entrei no futebol, eu pensei, Dário tá dando azar, eu vou botar Dario, porque não tem acento mesmo.
Bira “Vou chegar à Seleção Brasileira”
Ubiratã Silva do Espírito Santo ficou conhecido pela torcida azulina como Bira. Campeão paraense nos três campeonatos que disputou pelo Remo, sendo artilheiro nos anos de 1978, com 25 gols, e de 1979, quando fez 32 gols, Bira é até hoje o maior artilheiro do Parazão em uma só temporada. Confira agora a entrevista de Bira.
“Bira fala como dribla: curta e secamente, sempre em guarda contra uma pergunta mais violenta. E se sente ídolo da torcida do Remo, tem toda a postura de um craque. É tal a confiança que tem em si que, sem nenhum receio garante que um dia chegará à seleção brasileira.
RESISTÊNCIA– Faz um histórico sobre o Bira. Como foi que tu apareceste, como foi tua infância, enfim, como tu te transformaste no Bira.
BIRA– Eu comecei a jogar lá em Macapá, no Esporte Clube Macapá. Eu era juvenil de lá. Aí o Remo foi fazer uma partida lá. E eu joguei contra o Remo e me dei bem. O vice-presidente do Paysandu, que na época era o Stephan, que também estava lá, foi conversar com o papai e perguntou se eu poderia vir para o Paysandu e se eu tava afim, aí eu falei que topava e nós viemos. Veio eu, o Albano e o Aluysio, que é goleiro. Nós viemos pro Paysandu e disputamos todo o campeonato paraense de 76. Aí deu uma confusão comigo sobre negócio de contrato, que eu acabei não podendo disputar o campeonato nacional. E os dirigentes do Remo foram com habilidade comigo e acabaram me trazendo pra cá pro Remo.
RESISTÊNCIA– Quanto tu ganhas no Remo?
BIRA– Eu ganho 13 mil cruzeiros.
RESISTÊNCIA– Que é tu achas do Dario ganhar 55 mil?
BIRA– Eu acho uma ótima. Porque o Dario é um cara tri-campeão do mundo.
RESISTÊNCIA– Existe diferença entre jogador local e o jogador do sul?
BIRA– Em muitos casos há. Por exemplo: a gente não pode comparar o Bira com o Zico, com o Carlos Alberto Pintinho, eu acho que eles têm uma capacidade técnica mais apurada que a gente, que eu, no caso. A capacidade técnica do Zico é superior a minha. Muito mais apurada. Teve condições de desenvolver muito mais que eu. Condições que o próprio clube lhe proporcionou.
RESISTÊNCIA– Melhores jogadores pra ti.
BIRA– Mesquita, Anderson, Roberto Bacuri, Marinho. Pará tem muitos jogadores em boa forma. Agora sabe como é que é, tem problemas de diretoria que não quer soltar o jogador, que prende quando o jogador quer sair, estipula um preço exorbitante.
RESISTÊNCIA– O cartola prejudica o jogador?
BIRA– num ponto prejudica. Por exemplo: se ele achar que a saída do jogador vai prejudicar o clube, ele não vende o jogador. Não quer saber se aquilo vai ser a melhora do jogador. Ele quer saber do clube.
RESISTÊNCIA– Dá pra viver só de futebol?
BIRA– Não, no Pará não.
RESISTÊNCIA– O que tu sabes fazer fora do futebol?
BIRA– Eu sou mecânico de carro, manjo de carro, já trabalhei muito como mecânico. E também, se eu parar de jogar, se eu ficar numa pior, eu vou trabalhar. Não tenho vergonha de batalhar, pode ser ajudante de pedreiro, carpinteiro.
RESISTÊNCIA– Bira, o sucesso te subiu pra cabeça?
BIRA– Acho que não. Não adianta o sucesso se eu ganho pouco. Em relação aos ordenados do Remo eu sou um dos mais baixos. Eu como artilheiro do Brasil, na época do término do meu contrato anterior ganhava 7.500,00. Depois passou pra 13 mil.
RESISTÊNCIA– Nome completo?
BIRA– Ubitatan Silva do Espírito Santo, solteiro 24 anos, gosto de Chico Buarque, Betânia.
RESISTÊNCIA– Tu tens pretensões de chegar à seleção brasileira?
BIRA– Tenho sim. E vou chegar na seleção. Eu sou teimoso”
A íntegra da entrevista você pode encontrar no Jornal Resistência Nº 1 AGOSTO/1979- Edição extra, no acervo do Museu da Universidade Federal do Pará.
Por Ana Lúcia Oliveira e Mayra Leal